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Em um gesto de coesão e autonomia raramente visto em grandes conferências, organizações, redes, povos e comunidades do Semiárido brasileiro se organizaram paralelamente durante a III ICID (15 a 19/09/2025, Centro de Eventos do Ceará) para produzir e protocolar um documento oficial que expressa — com dados, vivências e afetos — os sentimentos e prioridades da Sociedade Civil da Caatinga. A carta, anexa ao documento geral do evento, dialoga tanto com a sociedade brasileira quanto com a comunidade internacional e é apresentada como contribuição direta à agenda da COP30, com uma mensagem central: sem justiça climática no Semiárido, não haverá justiça climática global.
*Um chamado que brota do território*
A carta nasce do “chão do Semiárido”, como afirmam as entidades signatárias, e ecoa a vida cotidiana de quem convive com a crise climática todos os dias: desertificação acelerada, êxodo de famílias, perda de biodiversidade e colapso hídrico em bacias cruciais. O texto denuncia que o modelo econômico vigente é predatório e insuficiente e rejeita a financeirização da natureza. Em contraponto, aponta caminhos concretos: protagonismo comunitário, agroecologia, economia solidária, governança social e justiça climática.
Mais que um inventário técnico, o documento é um retrato humanizado de um bioma vivo. A carta pede que a agenda climática confie no povo da Caatinga, valorize saberes tradicionais e científicos, e descentralize poder e recursos para quem cuida da água, do solo, da biodiversidade e das pessoas.
*Eixos e objetivos estratégicos*
Entre os eixos priorizados, a carta destaca:
* Justiça climática, social e socioambiental, com foco em povos e comunidades tradicionais, mulheres, juventudes, pessoas com deficiência e agricultoras/es familiares.
* Juventude protagonista: formação técnica, trabalho digno e participação efetiva nas decisões.
* Agroecologia como política de Estado no Semiárido.
* Tecnologias sociais de saneamento rural (coleta e tratamento de esgoto domiciliar, reuso e aproveitamento de águas).
* Transição energética justa e descentralizada, guiada por comunidades, sem “zonas de sacrifício”.
* Segurança hídrica e alimentar: universalização do acesso à água para beber e produzir (cisternas, “segunda água”, água nas escolas).
* ZEE participativo com Zonas de Restrição e Preservação em Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD), vedando eólicos/solares de larga escala e mineração nessas zonas.
* Economia solidária e bioeconomia da Caatinga, com agregação de valor e acesso a mercados.
* Reconhecimento e proteção de territórios, com regularização fundiária e manejo florestal comunitário, sem criminalização do uso sustentável tradicional.
* Financiamento acessível e desburocratizado, com paridade para organizações da sociedade civil e agricultura familiar.
* Crédito de Carbono Integral (CCI) e PSA comunitário, com MRV adequado à dinâmica da Caatinga.
* Restauração produtiva em escala (horizontes de 5–10 anos), combate à desertificação e emancipação comunitária.
* Política estadual participativa para convivência com o Semiárido e enfrentamento às mudanças climáticas.
*Encaminhamentos prioritários à COP30 e aos governos*
A carta elenca medidas executáveis já no curto e médio prazos, entre elas:
* Programa de Proteção e Revitalização da Caatinga (PPR-Caatinga): restauração produtiva, viveiros, sementes crioulas, manejo adaptativo e MRV participativo.
* Energia com justiça: moratória e regras socioambientais para eólicos/solares em áreas sensíveis; consulta prévia, livre e informada; avaliação estratégica; e benefícios locais obrigatórios (fundos comunitários, tarifas sociais, compensações territoriais).
* “Um Milhão de Tetos Solares”: geração distribuída em residências rurais, escolas, UBS, assentamentos e equipamentos comunitários, com formação de jovens e mulheres instaladoras.
* PSA Caatinga e carteira de CCI descentralizada, remunerando água, solo, biodiversidade e carbono com indicadores socioambientais.
* Reequilíbrio orçamentário: no mínimo 50% dos recursos climáticos e do Plano Safra destinados à agroecologia, agricultura familiar e OSCs; editais simplificados e prestação de contas proporcional.
* Cooperação internacional e fundos multilaterais com acesso direto às organizações comunitárias.
* Licenciamento verde para manejo comunitário e restauração, com salvaguardas socioambientais e combate à grilagem, sem criminalizar usos tradicionais sustentáveis.
* Tecnologias sociais de conservação de água e solo (ex.: Barramento de Base Zero — BBZ; SAFs; curvas de nível; reúso de água; cercas vivas).
* Projetos de 5–10 anos com fases formativas e de consolidação, evitando metas dissociadas da realidade local.
* Centros regionais de tecnologias assistivas e assistência técnica pública agrosilvopastoril.
* Metas indicativas: restaurar ≥100 mil ha/ano até 2030; água segura universal no Semiárido até 2030; 1 milhão de telhados solares até 2030; proteger 200 mil ha/ano via CCI.
* Governança social vinculante: conselhos com poder deliberativo nos fundos climáticos e incidência legislativa pela agroecologia, justiça climática e combate à desertificação.
*Este modelo econômico atual não nos serve*
Em tom de urgência e esperança, a carta afirma: “Este modelo econômico atual não nos serve.” O que serve — enfatizam — são modelos vivos que brotam do cuidado com a Caatinga, da sabedoria comunitária, da ciência comprometida e da governança social. A mensagem final convida governos, organismos internacionais, empresas e a sociedade a se unirem à luta da Caatinga por um futuro justo, vivo e sustentável: Justiça climática já.
*Entidades que assinam (lista aberta)*
* Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa- ASPTA / Paraíba
* Associação Caatinga Verde / Bahia
* Associação Comunitária de Desenvolvimento Sustentável - ACODES / Alagoas
* Associação Cristã de Base - ACB / Ceará
* Associação de Apoio às Comunidades do Campo - AACC / Rio Grande do Norte
* Associação de Pequenos Produtores da Comunidade Carnaíbas - APPCC / Piauí
* Associação dos Produtores de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga - APCCSBC /Alagoas
* BASE de Apoio da Caatinga do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima / Bahia
* Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas - CAATINGA / Pernambuco.
* Centro de Ecotecnologias do Nordeste - CEN / Pernambuco
* Centro de Educação Ambiental e Assessoria - CEAA / PIAUÍ
* Centro de Pesquisa e Assessoria - ESPLAR / Ceará
* Colegiado Territorial do Alto Sertão de Alagoas / Alagoas
* Cooperativa de Crédito de Carbono Integral, Turismo Regenerativo, Energias Renováveis e Agroecologia Familiar do Bioma Caatinga e do Semiárido - COOPERA SERTÃO/ Alagoas
* Cooperativa Regional de Produção Agroindustrial Luiz Carlos - COOPALC / Ceará
* Cooperativa Regional dos Assentados/as de Reforma Agrária do Sertão dos lNHAMUNS - CRATEÚS - COOPERAMUNS / Ceará
* Comitê de Bacia da Região Hidrográfica do Sertão do São Francisco - CBRHSSF / Alagoas
* Fundação Araripe / Ceará
* Instituto Cuidando / Ceará
* Instituto Corrupio Povo Cariri / Ceará
* Instituto InterCidadania / Pernambuco
* Serviço de Tecnologia Alternativa - SERTA / Pernambuco
* Universidade Federal do Cariri
* Reserva da Biosfera da Caatinga
* Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
* Fórum Brasileiro de Mudança do Clima - FBMC
Carta oficial para conferência
https://docs.google.com/document/d/1tzxR1qkOHOFs5kPVC_98VbeD0KRBQGl3iRFgpx0Ioz4/edit?usp=sharing
Por: Assessoria



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1 Comentários
Importante este momento da Sociedade Civil no evento
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